8 de mai. de 2012

MEU GRITO

MEU GRITO

Roberto Curt Dopheide

Leio e ouço estarrecido: 120 milhões de dólares pagos num leilão pela tela de “O Grito”. Fico sem palavras! Não é La Gioconda ou a Santa Ceia de Da Vinci, é um arremedo de espantalho que pretensamente expressa, aos olhos dos críticos e entendidos, todo o clamor da humanidade. Imagino o cidadão comum, a quem o sopro da sorte tenha feito ganhar na loteria um prêmio acumulado de 50 milhões de reais; ele poderia comprar 25% deste quadro (e, francamente, voltar a ser mais pobre que antes, se o fizesse).
Imagino Mozart ou Beethoven compondo uma sinfonia cacofônica, sem qualquer harmonia ou beleza, uerendo expressar com ela todo o clamor da humanidade. Ou Shakespeare escrevendo um texto com palavras trocadas e sem nexo, expressando a loucura do ser humano. Ou Michelângelo ter legado um bloco de granito em que fosse visível apenas um olho humano apavorado e ser, por isso, endeusado como tendo esculpido a mais profunda das expressões do desespero terreno.

120 milhões de dólares! Nenhum quadro vale isso, nem o mais belo deles. “O Grito” só merece isso, só vale isso: um grito. Um grito de inconformismo, um grito do absurdo a que chega a vaidade humana, um grito porque a história do rei nu está virando realidade. Ninguém mais expõe e desnuda mentiras, ninguém mais expõe absurdos, por medo de parecer ignorante, por medo de parecer absurdo. Reflito mais um pouco e concluo: quem mandou ler aquela nota na revista, quem mandou assistir àquela notícia no telejornal. Agora já foi, agora tenho de extravasar a revolta. 120 milhões de dólares.

Não sou exatamente o que poderia denominar-se de sujeito culto. O que digo mais adiante nada mais é que uma pesquisa banal feita no Google por um simples mortal inconformado; uma pesquisa tola e superficial. Tivesse sido profunda, sei, só aumentaria a distância entre o absurdo e belo. Enfim, fui espiar quadros e pintores famosos e constatei: sim, há algo errado, profundamente errado!

Vi “Abaporu” de Tarsila do Amaral; sim, dá para perceber o que é, mas aquelas desproporções não me dão a sensação do belo. Vi depois “O Sono” de Salvador Dali; ai, que coisa ridícula! Depois “Guernica”, de Picasso, com aquele boi de cabeça virada e aquelas cabeças humanóides distorcidas, endo a pretensão de revelar o horror da guerra; sim, tela horrorosa. Fiquei em Picasso e fui ver “O acrobata azul”, um desenho que não seria classificado, de vinte, entre os quinze primeiros de qualquer escola de vila do interior. Deprimente. Parei num tal de Peter Brüning, “Beigeschwarz”; com ele descobri que havia coisas piores que as anteriores. Uns traços sem sentido, disformes, sem gosto sequer nas cores. Eu teria vergonha de expor um quadro destes em qualquer dos quartos da minha simples casa e sinto vergonha do gênero humano, vergonha das pessoas que não sentem vergonha em elogiar algo assim. Pinturas rupestres não seriam de tão mau gosto, e de mau gosto minha medida estava cheia. Mudei de cardápio.

Passei rapidamente pela Santa Ceia de Leonardo Da Vinci, menos para conhecê-la, mais para tomar um fôlego. Depois, “Morning Bouque” de Alfred Guillou – veja você mesmo se não a dependuraria orgulhoso em sua sala de visitas. William Turner pintou “Fischer auf See”, beleza pura (ainda não esqueci aqueles 120 malditos milhões e a vergonha que encerram!). Vi também “Moinho”, de Mondrian. Em seguida caí, sim caí ao acaso, num tal de “Maritime Nocturno”. Adolf Hitler não deveria er tido aqueles sonhos megalomaníacos de conquista, ele deveria ter ficado na arte. Foi ele quem pintou quela tela aos 23 anos e ela foi vendida num leilão por 32 mil euros. Não, eu não pagaria isso tudo, mas pagaria bem, é bonita e me orgulharia tê-la na minha sala. Parei de estrangeirismos e fui rapidamente dar uma olhada num catarinense que lembro ter aprendido em tenra infância ser aqui destas terras e ter sido pintor: Victor Meirelles. Várias obras, parei no sensacional “O combate naval de Riachuelo”, este sim, se tivesse grana, pagaria 32 mil euros para ter em minha sala.

Meu inconformismo não cedeu, não obstante tantas coisas belas, diante do primeiro disparate. Não havia digerido sequer um dos 120 milhões. Navegue você mesmo, se não é pedir demais, por pintores famosos, ou por grandes pintores, ou quadros famosos ou quaisquer outros verbetes possíveis para localizar do enlevado e maravilhoso ao grotesco e estapafúrdio do mundo da pintura.  

Às vezes quase chego a acreditar existir alguma força superior que tirou Da Vinci, Mozart e Michelangelo a tempo do tabuleiro, para que não sentissem o que senti. Sim, o rei está nu.

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